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Homofobia na escola

Por Ingrid Fagundez
Infografia: Milena Lumini

A homo e a bissexualidade ainda são assuntos delicados no ambiente escolar. O preconceito por parte dos estudantes e professores, e a falta de técnicas pedagógicas adequadas para lidar com a diversidade sexual fazem com que a homofobia seja um problema recorrente nas salas de aula. Um estudo divulgado em 2004 pela Organização das Nações Unidas para a Educação (UNESCO) revelou que quase 40% dos alunos entrevistados não gostariam de ter homossexuais como colegas, e mais de 35% dos pais prefeririam que estes não fossem amigos dos filhos. A pesquisa levou em conta as respostas de mais de 16 mil estudantes de escolas públicas de treze capitais brasileiras. Até pouco tempo, o termo ‘heteronormatividade’ era usado para classificar a suposta sexualidade natural das crianças e adolescentes. Nesse cenário, a homo e a bissexualidade seriam considerados desvios de conduta.

O tema ganhou notoriedade na mídia com o caso de Paulo, um menino de 14 anos que foi ameaçado de expulsão em uma escola particular de São Paulo, por ter se declarado para um colega. A história de Paulo foi contada em uma matéria do caderno Folhateen, do jornal Folha de São Paulo, em 1999. Na ocasião, a direção da escola negou tratar-se de “preconceito”, mas de uma “situação insustentável” causada pelo “constrangimento” entre os alunos. Depois da reportagem, o garoto foi ameaçado pelos próprios colegas. A Folha de São Paulo recebeu um abaixo-assinado de 270 estudantes que apoiavam a expulsão, afirmando que a instituição não era “preconceituosa, e sim, conservadora”. O episódio gerou tanta polêmica que o então deputado Nilmário Miranda (PT/MG) apresentou um projeto de lei que definia a descriminação por orientação sexual como crime.

O caso é apenas uma amostra do cotidiano em algumas escolas brasileiras. De xingamentos à agressão física, o preconceito tem várias formas de manifestação entre as crianças e adolescentes. “Presencio muitas brincadeiras, principalmente por parte dos meninos, que chamam os colegas de viado, frutinha, gay”, conta a coordenadora pedagógica de um colégio particular de Florianópolis, Ana Maria Máximo. Mas, nem sempre, as agressões são apenas verbais. No dia 28 de junho, um aluno do ensino médio de uma escola pública de São José, na Grande Florianópolis, foi apedrejado na rua por membros da comunidade onde mora – uma das mais pobres do município. O jovem havia se assumido como homossexual e era frequentemente ofendido pelos colegas de sala de aula.

C. cursa o ensino fundamental em uma escola pública da capital e diz que os xingamentos são rotina na sala de aula.  “Tem um menino na minha sala que fala fino e tem um jeito delicado, mas diz que não é gay. Os meninos o chamam de “gayzão””. Ela conta que os professores não sabem como lidar com a situação e a escola não tem nenhum trabalho de orientação sexual “Eles não sabem como atuar, ficam meio sem jeito. Ninguém vem na sala para falar sobre as brincadeiras”, completa.

Você acha que atualmente com o homossexualismo mais em voga na mídia está mais fácil para os jovens se assumirem?

Qual a importância da orientação sexual na formação do jovem?

Como o preconceito e a discriminação influencia no processo de aprendizagem?


Apesar disso, a orientadora pedagógica, Cláudia Rosa, diz perceber uma crescente naturalização da homossexualidade no ambiente escolar. Para ela, o tema já não é mais tabu em razão da mídia, que permitiu através de programas como Malhação e Big Brother, a maior difusão e aceitação da cultura gay. “O tema já é bem aceitao. Há um ano atrás se formou um garoto que era homossexual assumido. Ele era amigo de meninos e meninas da sua sala e muito querido pelos funcionários da casa”, lembra.

As piadas, os cochichos, a exclusão do grupo e as agressões físicas trazem conseqüências psicológicas para o jovem homossexual. O preconceito pode afetar o seu desempenho escolar, as suas relações sociais e a aceitação da própria sexualidade. De acordo uma pesquisa realizada em 2009 pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP), quanto mais discriminação existe em uma escola pública pior é o aproveitamento dos seus estudantes. O levantamento foi realizado com base em entrevistas feitas com 18 mil alunos, pais, professores, diretores e funcionários de 500 escolas públicas de todo o Brasil. Para chegar a essa associação entre o grau de intolerância e o desempenho escolar, o estudo levou em conta o resultado da Prova Brasil de 2007, exame com questões de português e matemática realizado com alunos da 4ª a 8ª série do ensino fundamental da rede pública. As escolas que tiveram as piores médias foram aquelas em que as atitudes homofóbicas eram mais evidentes.

O comportamento homofóbico pode ter muitas origens. A família, porém, ganha destaque nesse contexto. Desde pequenas, a maioria das crianças são orientadas pelos pais a distinguir os brinquedos de menino dos de menina. “O ambiente familiar às vezes é muito repressor em relação à formação da identidade sexual do jovem. Ao dizer ‘Isso é de mulherzinha’ ou ‘Não faz isso, você parece um homem’, os pais acham que estão ajudando na formação dos filhos quando, na verdade, podem estar influenciando um olhar preconceituoso”, explica Máximo. “Os pais recusam a orientação sexual do filho com medo de que ele sofra”, completa. Eles também podem dificultar o desenvolvimento das discussões sobre homossexualidade dentro da escola, alegando que estas estariam estimulando a conduta gay. Mas, isso não é uma regra. A psicóloga Carol Rutz conta que assim como há pais que renegam as orientações sexuais diferentes, há aqueles que aceitam cada opção.

Quais as conseqüências da falta de apoio para um jovem homossexual?

Por que as meninas aceitam a homossexualidade com maior naturalidade?

De que forma deve acontecer a orientação sexual?

Você percebe que a temática está sendo naturalizada dentro dos colégios? Como a mídia influenciou e influencia nisso?

O preconceito que a criança ou o adolescente interferem no seu desempenho escolar? Como?

É perceptível que cada dia mais meninas e meninos se autodesignam bissexuais. Por que isso está acontecendo? Seria uma nova moda entre os jovens?


A mídia também pode influenciar na consolidação da homofobia. Quando explora comicamente a imagem do gay afeminado, espalhafatoso, que usa roupas justas, a televisão, principalmente, difunde esse esteriótipo e estimula os jovens a fazer brincadeiras semelhantes. Outro fator determinante são as crenças religiosas. Um estudo desenvolvido por uma equipe de pesquisadores da Escola de Serviço Social da UFRJ revelou que a capacidade de interferência de algumas instituições religiosas nas esferas moral e até mesmo jurídica favorece a disseminação de práticas homofóbicas na sociedade, e leia-se, na escola.

Para combater esse cenário de preconceito a orientação sexual é peça-chave. Mas, o que se observa nos colégios é que a discussão sobre sexualidade, quando existe, acontece durante as aulas de biologia. Cabe ao professor dessa disciplina esclarecer as dúvidas dos alunos sobre o tema. “No nosso caso, a educação sexual entra no currículo da quinta série, durante o trabalho sobre corpo humano. Não tratamos diretamente da homossexualidade, são os próprios estudantes que acabam trazendo as questões”, explica Rosa. Além de despreparados, muitos professores deixam transparecer opiniões preconceituosas e, em vez de esclarecer a questão, acabam apoiando o comportamento homofóbico dos alunos.
Nos Parâmetros Curriculares estabelecidos pelo MEC em 1997 são propostos três eixos para nortear a intervenção do professor: Corpo Humano, Relações de Gênero e Prevenção às Doenças Sexualmente Trasmissíveis/AIDS. Segundo Anelise Froes da Silva, integrante do Núcleo de Identidades de Gênero e Subjetividades (NIGS) da UFSC, essa abordagem faz com que a homossexualidade fique associada às DST´s, reduzindo-a a uma questão patológica. “Por isso, os jovens acabam encarando as orientações sexuais diferentes como doença”.

Em muitas escolas, os problemas que surgem nas salas de aula são levados ao coordenador pedagógico, que conversa com os alunos individual ou coletivamente sobre o que aconteceu. Esse trabalho de orientação se dá depois que os xingamentos ou agressões vêm à tona. Para Ana Maria Máximo, a temática precisa ser discutida continuamente e com uma visão mais ligada à sociologia. O psicólogo Cláudio Picazio, autor de dois livros sobre o assunto – Diferentes desejos e Sexo Secreto – defende a inclusão da educação sexual como matéria obrigatória dentro dos parâmetros curriculares. “Essa história de orientação sexual que se resume ao aparelho reprodutor, não condiz com a realidade à qual os adolescentes estão expostos”, diz.

Então, de que forma a homossexualidade deve ser discutida dentro da escola? Para Carol Rutz é preciso que haja um vínculo entre profissionais da educação e estudantes, para que ambos se sintam à vontade ao tratar da temática e para expressar que as orientações sejam assimiladas. “É preciso ouvir os dois lados e saber balancear a situação. Não existe fórmula pronta”, confessa.

Desde 2004, o Ministério da Educação vem implementando várias ações contra esse tipo de preconceito com o programa Brasil Sem Homofobia. A ação surgiu com o intuito de promover a cidadania e os direitos de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e bissexuais (LGBT) através do combate à violência e à discriminação homofóbicas. Entre as estratégias está a produção de material didático com informações sobre sexualidade e a capacitação de professores para lidar com a temática.

Em Florianópolis, o NIGS desenvolveu, em 2007, o projeto Papo Sério. Renovado no ano passado, o projeto tem como objetivo discutir as representações de gênero e sexualidade com alunos e alunas das escolas públicas da Grande Florianópolis. O trabalho acontece através de oficinas temáticas que exploram assuntos pesquisados no núcleo. “Suprimos uma demanda das escolas, porque elas precisam falar sobre homossexualidade, mas não sabem como. A nossa proposta é abordar esse tema de uma forma sociológica, educativa, e não patológica, como se observa em muitos colégios”, explica Anelise, que também participa do Papo Sério. Raruilquer Santos, outro integrante do projeto, diz que com as oficinas, a mudança de comportamento das turmas é perceptível: “Vejo várias diferenças até mesmo no jeito como eles nos recebem. Eles param de fazer brincadeiras ofensivas e passam a respeitar mais os colegas”, conta. Em 2009, além das oficinas realizadas em quatro colégios, o NIGS promoveu o Concurso de Cartazes sobre homofobia, lesbofobia e transfobia nas escolas. Neste ano, o concurso aconteceu em maio.

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