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Quem é o louco aqui?

Por Camila Ribas

A dramatização, teatralização de uma situação real ou inspirada na realidade, além de expressão artítstico-cultural pode também ser usada como poderosa ferramenta terapêutica em tratamentos psiquiátricos. Esta é a proposta do projeto de extensão do professor Marcos Eduardo Lima do Curso de Psicologia da UFSC. O método, chamado de terapia psicodramática, incentiva usuários do Centro de Atenção Psicossocial de Florianópolis (CAPS), portadores de psicoses como esquizofrenia, síndromes obssessivo-compulsiva, fóbica, do pânico, e de Tourette a expressarem-se livremente, sob orientação adequada, possibilitando a recuperação da criatividade e espontaneidade.

O tratamento questiona o caráter agressivo das técnicas psiquiátricas que se desenvolveram ao longo da história. Tratamentos baseados em internações involuntárias, drogas psicossomáticas, eletrochoques, lobotomias e outros métodos que expunham o paciente a situações de sofrimento extremo levaram a psiquiatria contemporânea a adotar políticas como a luta antimanicomial e as campanhas de reintegração social do paciente e foi nesse contexto que, em 1997, Lima passou a procurar a forma mais humanizada possível para tratar pacientes diagnosticados com psicoses e encontou a arte.


Desde então, volutnários e estagiários da UFSC integraram a equipe, que passou a se chamar Grupo de Teatro Cinema e Terapia e apresentar trabalhos como Manual da internaçãoINvo-luntária, Como currrrar a Loucurrrra e o atual, OU ou O quê é um Louco? (foto ao lado), peça baseada em reflexões e questionamentos direcionados ao público sobre quais seriam os critérios de classificação para enquadrar alguém como "louco". A filosofia clássica do tempo de Sócrates considerava loucos aqueles que não apresentavam aptidão para o trabalho e para o amor. Desde então, emergiram numerosas definições, e a reflexão da peça do grupo levou a questão a fundo.

Voltando-se à platéia, um dos atores -que é também usuário- pergunta se não existem loucos em todas a partes. A cena se desenrola, então em um movimento caótico de atores pelo palco representando conversas tensas por celular, estresse no trânsito, vaidade paranóica, britadeiras ensurdecedoras, brigas, desencontros e mais vários outros símbolos da "loucura" vivida em alta velocidade pela sociedade contemporânea.

O gênio e os loucos
Manifestações de loucura também são retratadas na peça na forma de preconceito contra as diferenças, na fé cega em relação à medicina e em um célebre dramaturgo francês, Antonin Artaud (1896-1948), interpretatdo pelo psicólogo, que além de orientar participa ativamente da peça. O  roteirista, diretor e poeta surrealista, hoje reconhecido pelo avanço de sua arte em relação ao tempo em que vivia, foi enquadrado como esquizofrênico pela psiquiatria da época e e internado em 1937 na primeira das várias clínicas francesas em que vivera e passara pelas sessões de eletrochoque que o fizeram perder todos os dentes. Artaud foi encontrado morto onze anos depois, em uma clínica no povoado de Ivry-sur-Seine, na França. Veja aqui uma foto de Artaud tirada nos anos 30, alguns anos antes da internação e aqui uma foto tirada meses antes de sua morte.

"Esquizocenia": o teatro do imprevisível


Os estagiários e voluntários do projeto Grupo de Teatro Cinema e Terapia  se reúnem uma vez por semana no CAPS das 13 ás 15 horas para ensaiar a peça e realizar outras atividades que levam o estudo do teatro para os usuários. O modelo cênico usado pelo grupo para terapia, a "esquizocenia", considera a ruptura do roteiro como forma de compor o trabalho final.

A quebra do script, que o filósofo Peter Pál Pélbart, precursor do modelo, chama de “faísca autopoiética” (do grego auto "próprio", poiesis "criação") estimula os usuários para que se expressem. Marcos Lima descreve o ambiente de interação entre psicólogo, estudantes e usuários como "um grupo de amigos, uma conjunção de heterogêneos fazendo arte a gargalhadas, sem compromissos, dívidas, culpas".

A peça atual, OU, ou o que é um louco não possui previsão para novas apresentações. Enquanto  ela não é reexibida, saiba mais sobre a "esquizocenia" no site do Grupo de Teatro Cinema e Terapia