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Qua, 21 de Novembro de 2012 12:32

A segurança pública em Santa Catarina

Professor Erni José Seibel analisa a situação e faz crítica ao sistema carcerário

Texto: Ediane Mattos ( Este endereço de e-mail está protegido contra spambots. Você deve habilitar o JavaScript para visualizá-lo. ) e Rafaela Blacutt ( Este endereço de e-mail está protegido contra spambots. Você deve habilitar o JavaScript para visualizá-lo. )
Fotos: Rafaela Blacutt / Arte: Mariana Moreira ( Este endereço de e-mail está protegido contra spambots. Você deve habilitar o JavaScript para visualizá-lo. )

Foram 47 pessoas presas, 27 ônibus e 12 automóveis incendiados, dez ataques com arma de fogo contra PMs e agentes prisionais e  três suspeitos mortos em confronto com a polícia. Este é o saldo dos atentados registrados pela Polícia militar de Santa Catarina, em 16 municípios, entre os dias 12 e 18 de novembro.

A reportagem do Cotidiano conversou com o professor de Filosofia, pesquisador e líder do Núcleo Interdisciplinar em Políticas Públicas da UFSC Erni José Seibel sobre a situação da segurança pública no estado. Confira.


Cotidiano: A principal linha de investigação dos ataques que ocorrem no estado aponta a hipótese de que as ações estejam relacionadas aos presídios e às denúncias de maus-tratos aos detentos. A polícia alega represália em razão de maior rigidez na segurança. Em quem acreditar?
Erni Seibel: Analisando o que aconteceu e pensando como cientista político eu faço uma análise mais estrutural. O que acontece é o seguinte: a miséria do sistema prisional brasileiro, a miséria histórica. Nunca foi melhor e é cada vez pior. Ele está explodindo, está se rebelando. O que acontece dentro do sistema prisional? A dinâmica interna de organização do cotidiano do próprio sistema prisional por falta de Estado, por falta de política de gestão, acabou na mão dos próprios prisioneiros que começaram a se organizar em facções.

C: Seria falta de planejamento? Ou falta de políticas para serem aplicadas para dentro do presídio?
ES: É difícil dizer. Se eu disser que sim, amanhã nós vamos aplicar política e isso vai acabar. Isso é um fator estrutural histórico. Que países mexeram com isso? A Itália mexeu com isso. Não sei te dizer até que ponto a Itália conseguiu. Ela mexeu com a máfia. E a máfia começou com maus-tratos nas prisões. Então, não se trata de uma atitude a ser tomada. Ele é um processo que tem que ser amplamente debatido na sociedade por todos os setores. Em primeiro lugar você tem um lado do sistema prisional que leva a essas condições e que é o caldo para criar qualquer forma de reação não civilizada. Por um outro lado, você tem um aparato policial brasileiro, herança militar, fragmentado. Essa talvez seja, do ponto de vista da teoria política, a questão pior. Porque as polícias estão segmentadas e elas não dialogam, não trocam informações. É uma questão sistêmica. Você não tem interação entre as polícias nas suas funções, cada uma trabalha de uma determinada maneira. Coloque em debate o modelo de polícia. Mas não são só as polícias. Você tem as polícias, o sistema prisional, o sistema de justiça, o Ministério Público. Um produz demanda para o outro e você cria gargalos.

C: Então, é correto dizer que o sistema prisional atual é falido?
ES: Ele está em uma situação deplorável, mas não se trata de mexer no sistema, ele vai continuar. Você pode injetar milhões, e milhões, e milhões lá dentro e ele não vai mudar de uma hora para outra. Em si, ele precisa para que seja um sistema prisional, em qualquer país onde impera o mínimo de civilidade, de direitos humanos. Tratar os indivíduos que estão na cadeia de forma sub-humana não vai adiantar nada. Custa mais caro para a sociedade porque ele jamais vai se recuperar.  

C: E como fica a questão da ressocialização no cenário carcerário atual?
ES: Acabei de ler no jornal um dado interessante, os indivíduos quando entram dentro de uma prisão eles têm que se associar a uma facção. Senão a vida fica um inferno.

C: Seria uma questão de sobrevivência?
ES: Exatamente. Eles têm essa proteção lá dentro, mas quando ele sair ou estiver em regime semiaberto ele tem que retornar isso. Senão ele, ou até a própria família sofre as consequências. Então o que ele faz? Ele sai de lá e vai pagar pela proteção que ele teve. Pagar como? Pagar com  crime. E esse problema da ressocialização também é uma questão estrutural. Não são atitudes de que você agora vai ser bonzinho, você não vai ser bonzinho. São comprometimentos que tem como resultado a violência contra ele, contra a família dele.
Eu estava lendo que no Rio Grande do Sul os setores da segurança pública se deram conta de que existem as facções. Quer dizer, se deram conta?! Todo mundo sabia, mas agora eles admitiram que existem as facções. E os especialistas estão dizendo o seguinte: as facções criam estruturas hierarquizadas dentro dos presídios para poder operar enquanto facções. No momento que o Estado, ou uma outra facção, vem e bagunça, desorganiza, a reposição da hierarquia tem conflitos e custa mortes.

C: Foi o que aconteceu em Santa Catarina?
ES: Sim. Segundo especialistas, em São Paulo e aqui no estado, houve uma hegemonia de uma facção. Essa hegemonia possibilitou os episódios que aconteceram. Esses episódios eclodiram no momento de alguns fatos que atingiram essas facções: que pode ser maus-tratos ou fatos como aconteceu em São Paulo, onde a facção estava fazendo um julgamento e a polícia chegou lá e matou os caras. Ou então, por exemplo, casos de não cumprimento legal de presos. E também tem certas atitudes da polícia que, e eles sabem disso, se tomarem vai ter reação. E, dado que é um estado de guerrilha, essa reação não é uma ação oficial, e sim uma reação de guerrilha. Queimar ônibus, matar policiais, aterrorizar a população, coisas dessa natureza.

C: É uma disputa de poder entre Estado e facções?
ES: Claro que há disputa de força, mas não disputa por um poder. É um jogo de sobrevivência. De sobrevivência da facção lá dentro e do Estado de dar uma resposta perante a sociedade.

C: Foi dito anteriormente que no Rio Grande do Sul o governo assumiu a existência de facções. O Estado de São Paulo levou 6 anos para reconhecer a existência do PCC. Aqui em SC ainda não se admitiu que haja uma facção.  Não seria o caso de dizer à população ‘estamos cientes e estamos resolvendo’?
ES: O problema de admitir que existe as facções é um dilema do próprio Estado. O Estado não pode dizer ‘nós somos um Estado de classe, portanto vamos proteger os ricos contra os pobres’. O Estado precisa ser o Estado de todos, por isso ele tem dilemas dessa natureza. Ele não pode revelar essas contradições. Não se pode chegar e dizer: tem facção e eu não posso fazer nada. No momento que ele admite a facção, ele admite o erro dele e tem grandes prejuízos em termos de legitimidade. Todos sabem da existência de facções, o problema é a opinião pública. Essa é que é a grande questão. Nos bastidores eles sabem disso. Sabendo ou não sabendo ela continuará existindo. Ela foi criada durante décadas, ela não foi criada ontem. Então você não elimina isso amanhã com atitudes pontuais. Ele é um processo de transformação que não é só fisico e material, é um processo de transformação cultural.
Dentro do sistema prisional você tem as instituições estatais (polícias) e você tem a sociedade. Como a sociedade vê essa história? Primeiro a sociedade vive sobre o signo do medo: o sentimento de insegurança produzido por uma outra potência que é a mídia. A espetacularização que a mídia faz da queima de ônibus foi alertado, vários especialistas já disseram tomem cuidado porque a visão de um ônibus queimado cria um ufanismo nas pequenas quadrilhas oportunistas. A mídia tem um papel de culpa nisso.
Vem aumentando o sentimento de insegurança e as pessoas passam a desacreditar nas instituições. Uma sociedade com impunidade como a nossa no lugar de pensar em justiça, o sentimento que aflora é um sentimento de vingança. Portanto é comum manifestações da população do tipo ‘tem que matar todos esses presos’. A solução da questão passa pela vingança e não por alguma forma de justiça.

C: Nas prisões que ocorreram em função dos ataques, muitos dos presos são menores de idade. Surge a questão da redução da maioridade penal. Seria solução?
ES: Se diminuir para crianças de 16 anos, vai acontecer com crianças de 14 anos, depois para 12 e assim por diante. Quem é que educa esses menores? Onde esses menores estão? Porque isso de diminuir a maioridade penal não vai resolver nada. Se esses menores estão reféns de bandidos, é porque eles foram abandonados. São menores fora da escola, sem a menor proteção social, seja ela familiar ou do Estado. Ele vai se tornar refém. O que fazem com 16, se diminuir, eles vão pegar garotos de 14 anos. Como se esses indivíduos tivessem vontade própria nesse caso. Como se fosse uma escolha civilizada, comum, normal. Essas escolhas são imperativas do meio em que estão vivendo. Isso é produto da vingança.  A ideia de vingança e a ausência da ideia de justiça é uma questão do mundo pessoal, particular. O país não é uma país de indivíduos só privado, deve ser uma sociedade de cidadãos. E esse menor é um cidadão ou deveria ser um cidadão, só que não o é. Ele se torna refém desse crime organizado, é isso que está acontecendo.

C: Existe alguma solução ou algum tipo de estratégia que possa extinguir essas facções?
ES: O Banco Central teria que começar a rastrear as contas dessas facções. O sufoco financeiro seria a forma de começar a controlá-las. Mas nós estamos diante de outra facção que não está deixando entrar nesses dados, parece uma outra muralha. Enquanto ele estão oxigenados financeiramente, eles podem comprar todas as armas, todos os policiais, podem comprar qualquer coisa. E sobre os celulares: ninguém até hoje deu uma explicação convincente de uso dos celulares.Como ele chega até lá? A OAB divulgou que todos os advogados são revistados, as famílias têm revistas intímas, chega por via dos funcionários dos presídios. Todo mundo se pergunta como é que essas pessoas possuem celular? Não tem bloqueador? Essa pergunta está pedindo uma resposta das autoridades. Essa questão está em aberto e enquanto permanecer assim a gente continua desconfiando de corrupção dentro dos presídios. O Deputado Sergio Soares disse que o próprio funcionário do presídio, se ele passa alguma coisa, ele acaba ficando a mercê porque a família é ameaçada. Você está  lá dentro e eles dizem “se você não me trouxer um celular eu sei onde você e sua família mora”. Ele sofre ameaças também. Não podemos dizer que todos são corruptos. É a miséria de viver no mundo do sistema presidiário brasileiro. E não é uma coisa que um governo vai resolver.
Enfim, eu acho que três questões surgiram na pauta. Primeiro lugar: a mídia, uma atitude mais responsável da mídia sobre esses fatos; o segundo ponto é a necessidade das policias começarem a repensar as suas políticas, o deslocamento, e não o abandono, de uma política militarizada para uma política de investigação; e o terceiro é discutir a questão financeira dessas facções para tentar da um fim à elas.