O adeus de Oscar Niemeyer

  Oscar Niemeyer, arquiteto brasileiro pioneiro na exploração das possibilidades de construção plástica do concreto armado, morreu aos 104 anos, no Hospital Samaritano, no Rio de Janeiro, onde estava internado desde o dia 2 de novembro. A causa da morte foi uma hemorragia digestiva e piora na função renal nas ultimas semanas e, desde ontem, uma infecção respiratória fez com que piorasse o estado de saúde do arquiteto, que não resistiu.

Os projetos mais famosos de Niemeyer são os dos edifícios públicos de Brasília. Em 1957, foi convidado para projetá-los pelo presidente Juscelino Kubitschek, que queria construir a nova capital do país, uma cidade moderna, “a mais bela do mundo”, como conta o arquiteto em seu livro Minha Arquitetura. Entre os destaques estão: o Palácio da Alvorada – a residência oficial do Presidente e sua área de trabalho, com colunas descritas pelo escritor francês André Malraux como as “mais bonitas depois das colunas gregas”; o Congresso Nacional (câmara dos deputados e senado), com suas cúpulas imponentes, que provocaram espanto no famoso arquiteto francês Le Corbusier, que ao vê-las exclamou “aqui há invenção!”; o Palácio do Planalto; o prédio do Itamaraty; e a Catedral de Brasília, “uma expressão técnica do concreto armado e do pré-fabricado”.

Durante a construção de Brasília, Niemeyer foi chamado à polícia política, onde teve que depor sobre suas ligações com o partido comunista. Como descreve em seu livro, “o problema social, a miséria que se multiplica em nosso país, sempre prevaleceram nas minhas preocupações”. Com menos de 20 anos, ele auxiliava o Socorro Vermelho, e aos 38 cedeu seu escritório a Luis Carlos Prestes, que o transformou na sede do Comitê Metropolitano do Partido Comunista Brasileiro.

Com o golpe militar, a pressão política que sofria começou a prejudicar seus projetos e sua vida pessoal. O projeto do aeroporto de Brasília, por exemplo, foi paralisado; sua casa em Mendes foi destruída quando, na construção de uma nova estrada, o riacho que corria ali perto transbordou; e outra estrada passou por cima da Escola Júlia Kubitschek, projetada por Niemeyer em homenagem a mãe do ex-presidente JK. Como a situação só piorou,  Niemeyer decidiu se mudar para a Europa e conseguiu permissão para trabalhar como arquiteto na França.

Lá projetou, entre outros, a sede do Partido Comunista Francês, o Espaço Oscar Niemeyer no Havre e a sede da editora Mondadori, em Milão, na Itália, com uma coluna inspirada no prédio do Itamaraty. No mesmo período, também realizou projetos na Argélia (a Universidade de Constantine, uma das obras realizadas no exterior que mais lhe agradaram, segundo seu livro), em Abu Dhabi e Israel.

Quando voltou ao Brasil, no início da década de 80, Niemeyer continuou a trabalhar em seu escritório de Copacabana. Seu método de trabalho permaneceu o mesmo, conforme descreve: "fixada uma ideia, redijo, como já esclareci, um texto explicativo. E, se os argumentos que encontro não são válidos, volto à prancheta". Embora fosse o único arquiteto em seu escritório, sua equipe era composta por pessoas responsáveis por serviços paralelos (como programação visual ou revisão dos textos), entre eles seus netos Carlos Oscar Niemeyer e Kadú Niemeyer. Também buscava auxílio de técnicos do concreto armado e do escritório de arquitetura dirigido por sua neta, Ana Elisa Niemeyer e seu sócio Jair Valera, ou ao do seu sobrinho João Niemeyer.

Aos 82 anos, a filha Anna Maria Niemeyer faleceu em junho deste ano. Agora, Oscar Niemeyer deixa sua esposa, Vera Lúcia Niemeyer, do Rio de Janeiro, cinco netos, treze bisnetos e seis trinetos.

 

Uma série de projetos recentes mostram esses problemas, cita o professor: o novo Centro Administrativo de Belo Horizonte, que foi deslocado para um local afastado da cidade; e o Memorial da América Latina em São Paulo. Segundo Teixeira, muitos deles são esculturas ou objetos que parecem ter “pousado” no local. O próprio Museu de Arte Contemporânea em Niterói está mais próximo de uma escultura que contempla o Rio de Janeiro do que de um prédio de fato funcional. “Alguns artistas, inclusive, reclamam que há pouco espaço para expor as obras”.  Niemeyer é considerado, ao mesmo tempo, paradigmático e controverso pela a arquitetura. O professor de história da arquitetura da UFSC, Luiz Eduardo Fontoura Teixeira, explica que entre os anos 40 e 70 suas criações foram inovadoras, mas que, a partir da volta do (auto) exílio, Niemeyer se tornou repetitivo, com uma espécie de catálogo de formas. Ao mesmo tempo, seu nome se tornou uma “grife” e acaba existindo uma espécie de comparação entre os arquitetos brasileiros e Niemeyer. 

Além das críticas à funcionalidade dos projetos, a relação ambígua entre políticos e Niemeyer causou polêmica nos últimos anos. Alguns arquitetos do país criticaram o fato de ele ser continuamente chamado para realizar projetos de obras públicas, acabando com a existência de concursos e licitações. Em alguns casos, Niemeyer acabou vítima de políticos que queriam se aproveitar do nome, da “grife”, para atribuir valor ou prestígio as obras – muitas que acabam nunca saindo do papel. 

A discussão é recorrente no meio acadêmico e entre arquitetos do país. Em 2003, por exemplo, o arquiteto Sylvio Emrich de Podestá publicou no Portal Vitruvius, o site de arquitetura mais popular no país, uma carta aberta a Niemeyer na qual tratou dos assuntos já mencionados. Em 2009, mais debates foram gerados por causa de seu projeto para a Praça da Soberania, em Brasília, que segundo arquitetos locais contrariava as disposições do Plano Piloto, tombado pela Unesco. Entenda melhor o caso aqui.

Segundo Teixeira, o que aconteceu foi que, logicamente, a arquitetura mudou desde que Niemeyer começou a trabalhar: hoje a preocupação é outra, com a chamada “arquitetura social”. “Queremos uma arquitetura anônima, que funcione, que leve em conta o espaço urbano, sem 'grife'. Hoje é comum, por exemplo, trabalharmos em equipes”.

 

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